quinta-feira, 28 de outubro de 2010

algodão doce




Meus avós, pais de minha mãe, eram pessoas muito pobres. Ele veio da Italia, entre 1905 e 1910. Embarcou em um navio no porto de Veneza, filho de agricultores, como muitos que vieram depois da abolição dos nossos escravos. A familia viveu e trabalhou em uma fazenda na região de Campinas. Ela, nasceu em uma fazenda em Campinas, filha de imigrantes italianos. Ambos trabalharam na lavoura de café e de cana e quando se casaram  tiveram sete filhos - pelo menos eu creio que foram sete.
Desconheço maiores detalhes, o que é uma pena. Entendo que o fato de mamãe ter falecido muito cedo causou essa falta de maiores informações, pois ela deixou de nos contar fatos importantes.
Naquela época não havia aposentadoria para o trabalhador rural. Quando ficavam velhos, ficavam também sem rendas, dependendo de filhos ou prestando pequenos serviços para sobreviver. Havia muita dignidade na pobreza de então. Obviamente não haviam favelas, o pobre vivia em casas muito modestas, precariamente mobiliadas, geralmente pagavam aluguel.
Enquanto jovem, vovô trabalhou na terra. Mais tarde, já na cidade, procurando vida melhor para os filhos, trabalhou em uma olaria, serviço pesado, úmido.  Quando a velhice bateu à sua porta, deixou a olaria e fazia jardins, cuidava das flores, gramas, plantava árvores. Como o dinheiro era pouco, resolveu melhorar a renda vendendo pipoca em um carrinho que estacionava em frente às escolas, igrejas, praças. No tal carrinho haviam doces também, e me recordo que em certa ocasião, ele fazia algodão doce. Não me lembro bem da ordem das coisas.
O que me lembro é que ele era um encanto de velho. Olhos de um azul tão claro, que olhando de longe pareciam brancos. Sempre de camisa de algodão, sem colarinho, abotoada no pecoço. As calças remendadas por minha avó, davam a impressão que iam cair - ele as usava sem cinta - alpargatas no pé...
Aos domingos, para ir à missa, a camisa branca, calça listrada de preto e cinza, paletó preto, sapatos.
Era sempre a mesma roupa aos domingos. Tenho certeza de que não havia outra.
Quando mamãe faleceu ele continuou nos visitando aos domingos. Era uma delicia ve-lo chegar a pé  - e era bastante longe - sempre depois da missa, bolsos cheios de balas, sorriso delicioso de dentes perfeitos, invejáveis naquela idade. Sentava os menores no colo, perguntava sobre tudo, brincava de cavalinho, sanfoninha, ria alto, abraçava.
Mesmo quando meu pai casou-se novamente ele continuou indo aos domingos de manhã. Acredito até que minha irmã, filha de minha madrasta, lembra-se dele.
Apenas um problema:- gostava de beber. Só bebia vinho, em qualquer ocasião. Naquela época os bares serviam vinho no balcão e como vovó não deixava que ele levasse a bebida para casa, tomava no bar, e chegava em casa, invariavelmente, bêbado. Era um bêbado divertido, que ria de tudo, inclusive das broncas da mulher, o que deixava vovó furiosa.
Pronto, cheguei onde estava querendo chegar. Como minha avó administrava com mão de ferro as finanças da casa, controlando tudo o que entrava com a venda dos doces e os trabalhos nos jardins, meu avô descobriu uma maneira de beber seu vinho sem ter que pedir dinheiro a ela.
Quando andava pelas ruas da cidade, pegava papel e  papelão achado pelo caminho, dobrava e carregava amarrado nas costas. Vendia esse papel em um depósito e com o dinheiro bebia vinho no bar.
Eu, com apenas 15 anos trabalhava nos escritorios de uma grande empresa da cidade.  Os menores podiam e deviam começar a trabalhar cedo, e comigo não foi exceção. Um dia, de minha mesa de trabalho, ouvi comentários e risos dos rapazes desenhistas, que tinham suas pranchetas ao lado das janelas do salão.
Curiosa saí para dar uma olhadinha e vi meu avô lá embaixo - estávamos no primeiro andar -  com um punhado de papelão amarrado às costas e tentando pegar uma caixa vazia que teimava em rolar com o vento.
Os rapazes riam e comentavam - olha o sacrificio do velho!
                                                 - coitado, já não tem idade para isso...
                                                  - não tenha pena, deve ser para beber pinga!
E eu, no alto dos meus 15 anos, virei-me e voltei para minha mesa.Se ficasse mais algum tempo observando talvez ele olhasse para cima e me visse, talvez acenasse... para mim teria sido muito humilhante dizer que era meu avô. Não tive coragem, fui covarde e infantil.
Nunca esqueci essa imagem, nunca contei para ninguém. Hoje resolvi escrever porque já me perdoei.
Eu não tinha maturidade para encarar os meninos naquele dia, e nem para contar para a familia ou amigos depois de anos.
Sei que ele me perdoaria rindo e me dando um puxão de cabelo ou um tapa na bunda. Era sua maneira de dizer "te amo", aquele amor sem cobrança, sem broncas, sem presentes, mas enorme como seu sorriso.
Eu precisava do MEU perdão e esse é muito mais dificil, mais dolorido.
Vovô faleceu de uma doença decorrente da bebida.  Ele tinha uns sessenta e seis anos, eu dezessete. Ficou uma saudade doce, suave, alegre, como os algodões-doces que a gente comia e se lambuzava diante de seu carrinho que tinha uma lamparina de azeite para clarear por dentro. Velho lindo e feliz, é assim que me lembro de você...um brinde com o melhor vinho italiano,  pela tranquilidade dessa neta que ainda te ama. Tim-tim......

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Igreja




Ainda ontem lembrei-me que devia falar mais sobre o Padre Rafael, que no final dos anos 50 e durante os anos 60, foi o responsável pela Igreja Imaculada Conceição, no nosso bairro, em Osasco.
Se houve alguém que realmente se preocupava com as crianças do bairro, foi o nosso temido P. Rafael. Tinha um mau humor de leão, chamava todas as meninas de mariazinha e os meninos de zézinho. Dava broncas inesqueciveis durante a missa se algum engraçadinho (e sempre tinha um) resolvia desencadear uma crise de risos entre a garotada.
Nós, as crianças da Cruzada Eucarística, nos sentávamos nos primeiros bancos, fita com medalha no peito, vestindo nossas melhores roupinhas de domingo e uma vontade louca de olhar para os lados, procurando um motivo,  "unzinho" apenas para cair no riso. Parecia praga! era só a gente se acomodar no banco que dava uma vontade danada de rir.
E o P. Rafael interrompia a missa, olhava para o nosso lado (todos segurando o riso) e perguntava com seu vozeirão de tenor:- "onde está a graça? podem falar, quero rir tambem!".
Se uma criança de colo chorava durante a cerimonia, ele virava-se para a mãe e dizia: - "dona maria, saia lá para fora com a criança! você não assiste a missa e nem deixa os outros assistirem!".
Nos fundos da igreja havia o salão paroquial, com chão de cimento rústico, alguns bancos e um palco improvisado onde os jovens rapazes e moças,  ensaiavam algumas músicas ou peças de teatro, exibidas aos domingos, depois da missa das sete da noite.
Durante a tarde de domingo a garotada já  ensaiava para o "show" dos calouros,  e era muito divertido ver aqueles meninos e meninas apresentando-se no palco.
Eu tambem cantei algumas vezes, e hoje penso que se agora canto mal e sou desafinada, como seria então diante de várias pessoas, num palco! no entanto, as pessoas aplaudiam , se divertiam, coitados...ninguém gritava "socorro!"
O Edison, meu irmão, tinha o apelido de "pirulito". O apresentador dizia:- vem cá pirulito, vai cantar o que pra gente?e ele respondia, todo pimpão:- pirulito que bate-bate...
Era uma criança, de nove ou dez anos, e todos os domingos subia ao palco para cantar - "pirulito que bate-bate...pirulito que já bateu...quem gosta de mim é ela...quem gosta dela sou eu"... e por aí afora.
E apesar do eterno repeteco, aplaudiam e incentivavam o menino que queria apenas participar, ser visto e aplaudido. Até hoje, meio século depois, ele ainda é meio exibido.
A melhor comida quem faz é ele, a melhor batida é a dele, e adivinhem quem dança melhor?.... Esse é o nosso pirulito, irmão querido e peça importante de nosso quebra-cabeças.
Voltando ao P. Rafael, era um homem sempre à frente de seu tempo, um empreendedor. Fundou uma escola profissionalizante no terreno baldio ao lado da igreja.  Com a ajuda das grandes empresas da cidade, que ele visitava constantemente pedindo maquinas e equipamentos, conseguiu até professores para ensinarem os meninos nas horas vagas.
Nessa escola os meninos e meninas faziam cursos de eletrica, mecanica, solda, tornearia. Havia tambem artezanato, pintura, costura, enfim, uma oficina para futuros trabalhadores que seriam aproveitados pelas empresas ou pelo comercio da cidade.
Dele apenas sei que alguns anos depois foi designado para a Matriz da cidade, posteriormente sendo tranferido para Curitiba como Monsenhor. E  agora encontra-se em Itu,  segundo um amigo que mora em Osasco e encontrou-se com ele.
Foi uma das figuras mais interessantes que ja conheci. Hoje, ao ler algo sobre padres pedófilos, que desrespeitam crianças entregues em suas mãos - que deviam proteger -  lembro-me dele com imenso carinho.
Nunca soubemos ou vivemos qualquer situação constrangedora. Ao contrario,  nos ensinou a viver em comunhão, dar valor ao companheirismo e ao trabalho.
Minha lembrança é desse homem serio, alto, rosto bonito e bondoso, apesar do humor azedo e da voz grave e assustadora. Fiquei feliz em saber que está com saúde, descansando de uma vida plena de boas atitudes.
Ao amigo P. Rafael desejo o sono dos justos, o repouso merecido pelos grandes homens que souberam plantar amor no coracao das crian;as que o rodearam. Minha gratidão e minha saudade, pois foi com você que aprendi que a igreja pode e deve ser muito maior que uma missa ou que os sacramentos. A igreja deve ser sempre uma casa alegre onde somos bem vindos, amparados,  onde as crianças podem brincar e aprender, onde mora o respeito e o carinho entre as pessoas. Infelizmente, nessa minha caminhada,  nao encontrei essa acolhida em nenhuma outra paróquia que frequentei. Que pena!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Juliana


Sempre que conversamos sobre o assunto, é com muito bom humor, e ela entende que não há maldade no que digo. Foi uma criança não planejada, uma gravidez que não estava nos planos e que me fez ficar apavorada.
Os dois mais velhos estavam já crescidinhos quando ela resolveu dar o "ar da graça", e eu chorava e não acreditava que ia começar aquela maratona toda novamente.
Os irmãos até hoje brincam dizendo -"você nem era pra ter nascido! o que você quer?"  - e esse assunto sempre acaba em gargalhadas, sem grandes traumas.
Quando nasceu,  meu pavor foi ao contrário, sentia muito medo de ser castigada por não ter aceito tranquilamente o inicio da gestação, rezava muito e com o tempo entendi que os céus não castigam, presenteiam.
Foi uma criança linda, calma, dorminhoca, e enquanto crescia "pentelhava" os irmãos que se irritavam com sua voz aguda e suas crises de caçula mimadinha.
O avô portugues mimava tanto que causava ciumes até na vovó, o que a levava a paparicar muito mais os dois maiores ao invés do bebê.
E foi assim, sem grandes sobressaltos, que se passaram esses anos, e ela transformou-se nesse mulherão, querida por todos, mãe em tempo integral, sensível e alegre.
Companheira para todas as horas, amiga e irmã carinhosa. Ela costuma brincar (será?) dizendo que seus medos e neuras são efeitos da  rejeição no útero, e nós retrucamos dizendo que são consequências do amadurecimento, da falta de mimos e agrados que teve na infância.
Hoje é seu aniversario, Juliana, e o que posso desejar de diferente para uma filha querida? O que será que ainda não disse para você, o que será que eu poderia falar de novo, de criativo?
Minha parceira de alegrias e lágrimas, de mesas fartas e cerveja gelada, de crianças chorando e precisando de atenção, de sobrinhos que chegam e saem, assim como os irmãos queridos.
Que sua vida seja sempre assim, cheia de trabalho e correrias, para que você nunca sinta saudade, seja sempre feliz e plena, com saúde e muito amor.
Um brinde à amizade, que é o sentimento mais nobre que existe. Saúde...tim-tim!




quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Basta um olhar



 
Meu filho entrou na sala de casa, repleta de crianças brincando e mulheres conversando e disse:- mãe, vem aqui um pouco, quero te mostrar uma coisa no computador. Ele me contou sobre uma música que tem ouvido bastante ultimamente, falou-me do grupo de nome Lynyrd Skynyrd, contou que vários integrantes desse grupo morreram em um desastre aéreo no ano de 1977.  Meu filho curte muito músicas dos anos 60, 70 ou 80, gosta mesmo de rock, pesquisa e sabe quase tudo sobre o assunto. Já andei comentando que me impressiono ao notar que meus filhos, que nasceram nos anos 70 (em 1976 eu já tinha os três), adoram ouvir as músicas que tocavam desde os anos dourados até agora. Isso significa que tinham qualidade mesmo.
Mas, desviei-me do assunto. Dando alguns cliques ele me mostrou a tradução da música que tocava, porque não falo inglês. Mostro para vocês o refrão e outros versos:

-o título é Simple man (homem simples)

-mamãe me disse quando eu era jovem
  venha sentar-se ao meu lado, meu filho,
  e escute com atenção o que eu digo
  e se você fizer isso, irá lhe ajudar em algum belo dia

-leve seu tempo, não viva tão rápido,
 dificuldades virão e passarão
 vá, encontre uma mulher e encontrará o amor
 e não esqueça filho, há alguém lá em cima...

-Refrão:
 Seja um tipo simples de homem
 Seja algo que você ame e entenda
 Você não que fazer isso por mim, filho?
 Se você puder?

-esqueça seu desejo pelo ouro do homem rico
  tudo aquilo que você precisa está em sua alma
  e você pode fazer isso se você tentar
  tudo aquilo que eu quero para você
  meu filho
  é estar satisfeito
- menino, não se preocupe...você se achará...

No momento a casa estava muito barulhenta, as crianças vieram ver também no computador, xeretas como sempre, perguntando, clicando onde não devem,  e eu não pude dizer a ele o quanto eu entendi aquele gesto de me mostrar a letra da música.
Mais tarde em silêncio, fiquei pensando que devia ter dito o que ele esperava ouvir, mas acredito que ele entendeu meu olhar.
Sempre conversamos muito e eu dizia a ele, com outras palavras, que ser simples é o segredo da felicidade. Que não adianta todo o ouro do mundo se você não coloca a cabeça no travesseiro e dorme em paz com você mesmo. E que eu esperava dele, e de minhas filhas, apenas que fossem dignos e conseguissem o suficiente para uma vida tranquila, sem sobressaltos.
Somos muito amigos, falamos sobre qualquer assunto,  como bons companheiros e não como mãe e filho. Passamos por momentos delicados, nos amparando para não cair em desespero, e hoje, basta um olhar, um único olhar para eu saber que ele se lembra de tudo.
Um dia falo mais sobre isso.
Um brinde ao olhar, aquele olhar que diz muito mais que mil palavras. Ao olhar que sorri, o que transmite emoção, o que fala sem dizer nada.
Hoje o brinde é com cerveja,  nossa bebida oficial para rir e bater papo. Adoro beber cerveja com meus filhos, jogar conversa fora, lembrar coisas boas. Certa vez li um artigo que dizia que o café aproxima as pessoas, traz aconchêgo. Aqui em casa é diferente. Não podia deixar de ser...tim-tim, saúde!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Alegria




Quando vejo as propagandas ou videos dos maravilhosos circos internacionais que hoje visitam o Brasil, fico encantada com o espetáculo que produzem.  Nada de animais fechados em jaulas,  famintos e à beira de um ataque de nervos, andando sem parar, em circulos, como que procurando uma saída, qualquer uma.
São espetáculos lindos, coloridos, com artistas perfeitos e muito bem treinados. Fico realmente maravilhada, porque o circo sempre foi a forma mais próxima da alegria total.
Ver as crianças olhando um malabarista, um trapezista ou outro artista se exibindo, é um momento mágico. Os olhos brilham, o sorriso brota, as mãos já postas para bater palmas. Repare.
Mas a hora do palhaço é a preferida. Até hoje, empoleirada na arquibancada da vida, já atingindo as últimas tábuas, alegro-me muito com um palhaço, ou dois, ou muitos.
Havia um programa aos domingos, nos anos 50, na TV Record, sempre depois do almôço. Chamava-se Circo do Arrelia. Era programa obrigatório da criançada, espalhadas pela sala, aguardando a cortina que se abria para um mundo irreal.  Arrelia era o dono do circo, o palhaço "maior" o centro do show.
Apresentavam alguns números de malabarismo, trapézio, macacos. Tinha até teatro, com historias contadas com muita graça, muita ingenuidade. Agora...quando entrava o Arrelia, com seu ajudante e primo chato, o Pimentinha (o nome já diz como era chato) o circo ficava muito mais lindo, colorido, feliz!
As piadas, brincadeiras, bofetões, tombos, banhos de agua gelada, farinha de trigo espalhada até entre a platéia, faziam a nossa alegria e tornavam as nossas tardes de domingo muito mais interessantes.





Arrelia viveu muitos anos, morreu velhinho e respeitadíssimo por todos que gostavam de sua arte.
Acredito que meus irmãos mais novos não tiveram a sorte de assistir ao circo, apenas eu e o Edison, os mais velhos. Esses programas de auditório foram substituidos por desenhos animados, muito bons, ou série de filmes que nos transportavam para um mundo que não era o nosso.  Era um mundo americano, fácil e lindo, que os deixava sonhando em ser o Cabo Rusty, dono de Rin-tin-tin, ou quem sabe o menino que tinha uma cachorra chamada Lassie? e muitos mais que não me ocorrem agora.
Mas as palhaçadas do Arrelia nas tardes de domingo ficaram para sempre gravadas em meu coração. Até hoje fico emocionada quando vejo um palhaço, mesmo que seja na porta de uma loja, feio e sem brilho, distribuindo balas e convidando as mães para verificarem os preços.
A alegria da garotada de hoje é bem diferente mas não menos inteligente e interessante. Quisera eu ter um computador a minha disposição quando tinha 7 ou 8 anos. Pistas de patinação no gelo, pula-pula na cama elástica...isso é muito bom, e vejo a mesma alegria nos olhos das crianças de agora.
Nós dois, os irmãos mais velhos, trocamos o cirquinho na TV pelo novo modismo da época, a matinê nos domingos à tarde. Era sensacional trocar de roupa, encontrar com os amigos na rua de casa e ir à pé até o cinema que ficava bem perto. O programa era sempre um filme voltado para as crianças, um intervalo, e um capitulo do seriado. Não perdíamos um domingo, para desespero de meu pai, que nem sempre estava em condições de pagar nosso cineminha. Fazíamos um berreiro, saíamos correndo falando que não precisava de dinheiro, que a gente ia sem ele mesmo. E papai acabava cedendo, ou acabávamos de castigo por alguns domingos, dependendo do humor dele. Tudo isso antes de eu completar dez anos, quando ainda morávamos no centro.
A mudança para o bairro acabou também com essa nossa alegria, restando apenas os programas que o Padre de nossa Igreja sempre inventava para distrair as crianças da Cruzada Eucarística.
Outro dia volto a esse assunto, falando sobre os programas que o Padre Rafael criava para nos divertir e ensinar a viver em comunidade. Vai dar um capítulo e tanto, tenho certeza.
Aos palhaços maravilhosos que alegravam os domingos de minha vida de menina que, apesar das privações e carências, foi uma infância feliz, eu levanto um brinde de agradecimento e saudade.
Ser criança é sempre a mesma coisa, antigamente ou hoje, o que mudou foi o mundo. A inocência nasce com as pessoas, o mundo é quem a deturpa, ou respeita. Eu pertenço ao segundo grupo.
Tim-tim!
 




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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O caminho das pedras






Para quem conhece bem a região existe uma faixa de pedras, eu não sei explicar a origem, que atravessa Votorantim, passa por várias cidades, inclusive Itu e Salto, e passa por Valinhos, pelos lados da estrada que nos leva a Itatiba. Por várias vezes, quando passeava com meu marido, ele citava essa coincidência de ter nascido em Votorantim e morar em Valinhos, onde pode-se ver também esse amontoado de pedras de todos os tamanhos e formatos. Acredito que o Luiz procurou se informar, ou leu mapas, para saber que era o mesmo caminho de pedras que vinha de sua cidade até aqui.
Essa vida nos prepara grandes surpresas, algumas tão impressionantes que ficam dificeis de serem explicadas.
Essa época do ano é especialmente complicada para mim, porque no dia 15 de outubro, portanto depois de amanhã, serão cinco anos sem meu companheiro, e sem o seu amor.
O que falar sobre uma união de trinta e oito anos? Dizer que foi tudo perfeito, nunca brigamos, nunca nos dissemos verdades doloridas? Bobagem, sabemos perfeitamente que isso é impossivel.
Dizer que nunca tive momentos ruins, vontade de ir embora, lágrimas de dor?  Grande mentira, é lógico que tive.
Mas teria tudo novamente,  só porque os momentos de alegria foram muito maiores. As horas de companheirismo, de cumplicidade e de carinho foram infinitamente maiores. Tive o privilegio de ter ao meu lado um homem apaixonado e amigo, companheiro até os últimos momentos.
Aos poucos vou falando sobre nossa relação, nossa historia bonita, nossos sonhos e planos, alguns concretizados, outros não, apenas porque não tivemos tempo.
Ele se foi muito cedo,  tínhamos ainda muita historia para viver e depois contar para nossos filhos e netos.
Pobres filhos e netos que não terão mais sua companhia, e pobre de mim que sinto muita saudade.
O sentimento maior que ficou, como sempre digo, foi de pena, uma pena imensa que sinto por ele estar perdendo esse espetáculo da vida que nossos netos e filhos representam.
Ainda anteontem, em Ubatuba, em companhia de meus irmãos, ouvi uma música antiga que dizia assim - "...que quem morreu fui eu e foi você, pois sem amor, morremos sós, morremos nós..." .
Naquele momento eu chorei, sentindo uma saudade tão grande, um peso massacrante me sufocando, tirando meu ar, meu chão. Mas foi muito rápido, e a dor assim como veio foi embora e eu fiquei ali admirando aquele mar azul e enorme aos meus pés,  um presente lindo da natureza que me fez pensar que nada, nada mesmo mudaria se eu chorasse o dia inteiro ou a vida inteira até me cansar.
As palavras sobre a concentração de pedras com as quais começei a postagem tem uma razão de ser.  Por um motivo absurdo e totalmente inexplicável foi à beira de uma estrada, sobre essa região pedregosa e em frente a um sitio onde se lia "ninho das pedras", que numa madrugada chuvosa e escura eu me despedi de meu Luiz, companheiro da minha vida.
Por agora acredito que basta, porque não é de meu feitio falar de despedida, e sim de chegadas e de saudades, e de alegrias.
Minha vontade foi apenas deixar registrada essa coincidência enorme que fez um chão de pedras ser o berço de meu marido nos dois opostos de sua vida.
Quero contar muito mais de nossas vidas, do namoro, do nascimento dos filhos, das nossas infinitas alegrias e preocupações. Vou falar de tudo isso e muito mais para que todos entendam o porque da enorme saudade que sinto dele.
E porque não levantar um brinde para o passado? Vamos lá... taças à mão e sorriso nos lábios brindando e agradecendo a alegria de ter um passado digno de ser contado e dividido com todos. Tim-Tim!!!




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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Os gêmeos




Também acredito que não se pode viver de lembranças, porém, na minha idade fica dificil não te-las.
Vivo dizendo que não sou saudosista, mas adoro contar coisas sobre minha familia, meus irmãos, meus filhos.
Hoje quero escrever sobre um acontecimento interessante quando eu tinha apenas sete anos. Éramos eu e meu irmão, que na época tinha quatro anos. Meu pai sofreu um  acidente de trabalho,  machucou-se entre os vãos de uma ponte rolante e depois caiu de uma grande altura. Teve inúmeras fraturas na altura do quadril e das pernas.
Esteve hospitalizado por dois meses e quando finalmente voltou para casa e para seu trabalho, estava completamente recuperado. Em uma de nossas visitas à familia de meu pai, minha mãe ouviu um comentario entre as mulheres, inclusive minha avó. Elas falavam mais ou menos assim:- coitado do Tide, pareçe que ele não é mais o mesmo, vocês sabem como é...tudo foi muito machucado, será que ele ainda faz alguma coisa....
Bom, para uma mulher boa de briga como minha mãe, aquilo foi o bastante. Ela não queria discutir com a familia dele, mas também precisava provar a elas que ele estava bem, muito bem...
Mamãe estava satisfeita com os dois filhos que tinha planejado, a vida era dificil, ficar grávida estava fora de seus planos, mas, pelo bem geral de todos (e principalmente dela) resolveu engravidar novamente. Sei de todos esses detalhes porque minhas tias comentavam sobre isso depois de anos, e meu pai também. Na época eu nem desconfiava que existia sexo, muito menos que meus pais faziam aquilo.
Para enorme surpresa de minha mãe, meu pai  e de toda a familia, já que naquela época não havia ultrassom e os partos eram em casa, nasceram gêmeos, dois meninos lindos.


Foi uma loucura! mamãe conseguiu o que queria, e em dobro! A familia não se cansava de comentar sobre o feito: - então em Tide? ...não precisava caprichar tanto!
Eles eram umas fofuras mas minha mãe continuava com o eterno problema de não ter leite. Para dois então, nem pensar. A solução era o leite em pó, mas eles eram muito pequenos, frágeis como todos os gêmeos, pois nascem abaixo do peso. Então o anjo de minha mãe novamente apareceu, e desta vez era uma mulher portuguesa. Dona Maria, que tinha quatro filhos, o mais novo, Luizinho, com apenas alguns meses. Era vizinha de casa, de uma familia das mais abastadas da cidade.
Não se fez de rogada, ao contrário, foi de uma generosidade imensa, pois ia todos os dias até nossa humilde casa, sentava-se e colocava um bebê em cada seio até que eles se fartassem. Ela dizia para mamãe: - pelo menos uma vez ao dia é importante que eles mamem no seio e o Luizinho não vai sofrer, pois tem leite suficiente para ele. 
Minha mãe foi grata a Dona Maria Portuguesa até os seus ultimos dias, porque as crianças se desenvolveram muito bem, eram saudáveis e muito espertas.
Pena que minha mãe não viveu o suficiente para ve-los crescer. Ainda não tinham tres anos quando ela partiu. Eu e meu irmão amparamos os meninos como pudemos, porque éramos quatro crianças, cuidando umas das outras. Mas hoje não vou falar de sofrimento, quero contar que depois do segundo casamento de meu pai ainda tivemos duas irmãs, o que prova que aquele homem ainda poderia surpreender muito mais...!
Passados tantos anos ainda me lembro dos passeios de carrinho, eu com um dos gêmeos e o Edison com outro, para que mamãe pudesse lavar roupas. Que loucura, colocávamos aqueles bebês nos carrinhos e saíamos pela rua, exibindo nossos irmãos. Eles eram lindos! E ainda são. E eu os amo profundamente, de uma maneira que eles entendem e retribuem.
Dona Maria Portuguesa já nos deixou, e as circunstâncias da vida nos impediu de agradecer da maneira como ela merecia. Sempre me sentirei em falta com ela. E é para ela que hoje proponho um brinde e convido Marcos e Marcio para me acompanharem. Tim-tim e obrigada sempre!



imagens garimpadas no Google

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Uma princesa




Ela ainda não sabe ler, conhece apenas algumas letras, então não vou escrever para ela, mas sim sobre ela.
Essa coisinha linda chama-se Valentina e tem tanto de bonita quanto de terrivel!  Temperamento forte, vontade própria, sabe exatamente o que quer e como quer.
Em dia de reunião com os primos é sempre ela quem determina as brincadeiras, dá bronca, organiza os lugares onde devem sentar, chama um adulto para contar que está tudo errado. enfim, uma líder.
Tenho certesa de que as pessoas já nascem com sua personalidade definida, e o tempo se encarrega de moldar.
Essa "pessoinha" deliciosa, às vezes azeda, da qual estamos falando aqui só dá um beijinho na vovó se achar que vai receber algo em troca, e não gosta de abraço apertado, beijo longo, cafuné no cabelo.
Adora ir ao shopping, vestindo botas (que ela chama de bostas) e com uma sacola enorme onde carrega todas as tralhas possiveis.
A voz é alta, como boa descendente de italianos, e onde ela se encontra logo se transforma em um lugar barulhento e agitado.
Nossa querida Tina, tão cheirosa e com um sorriso lindo de doer, foi a primeira menina depois de três netos homens. Quando a vi na maternidade, com os cabelos totalmente indomáveis, espetados para cima, logo achei que era muito parecida com o pai. E continuo  pensando assim, apesar de ter alguns traços da mãe, mas muito poucos.
Hoje é  aniversario da Valentina. Quatro anos se passaram e a gente nem percebeu. Não que ela seja uma criança que não se note, ao contrário, é dificil não nota-la. Mas os anos passam muito depressa, pareçe até que foi outro dia que minha filha me contou chorando que estava grávida.

Estávamos todos tão fragilizados, sofrendo muito com a morte de meu marido,  o vovô Luiz, e a noticia de que ela estava chegando foi um sopro de vida, uma alegria inesperada, uma esperança. Ele teria muito orgulho dela. Acredito  que ia se divertir muito com suas brincadeiras e reinações.
Para nossa pequena princesa, hoje, o nosso carinho e nosso amor.
Que sua vida seja sempre linda como seu sorriso, e sempre alegre como seu temperamento.
Um brinde à minha gatinha, com uma taça de água, que ela adora! Tim-tim!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Palhaço, eu?


Prometi voltar ao assunto, e aqui estou. Terminei de ler o livro de Isabel  Allende - ilha sob o mar - e sinceramente não foi tudo aquilo que esperava. Não se trata de uma leitura incrível, que te prende e faz querer ler mais e mais até o fim. A partir do meio do livro já comecei a sentir um certo tédio, um desejo de que terminasse logo. Apesar da historia ter um conteúdo muito interessante, o romance dentro dela ficou tedioso e morno.
Mas, aprendi muito com a pesquisa que a autora fez para nos mostrar até que ponto a escravidão foi devastadora para a raça negra em grande parte do mundo. Eu que acreditava que apenas no Brasil  e na América do Norte esse flagelo vergonhoso havia acontecido, soube que nas colonias francesas e inglesas era praticada de maneira brutal. Recomendo o livro como aprendizado, não como entretenimento.

Agora.....vou começar a ler a biografia de meu querido Gabriel Garcia Marquez. Ah! vou comentar sobre ele por aqui, não vejo a hora de começar. O livro está guardado no armário há quase um mês, ou mais, esperando para ser lido no momento certo, e esse dia chegou. Depois vou contando os lances mais interessantes (devem ser todos).
Esse fim de semana promete grandes emoções, com eleições tomando conta de todos os espaços. Desde hoje de manhã que a tv não fala em outra coisa. Gostaria de ser mais politizada para poder entender melhor esse assunto tão interessante. Confesso que não tenho paciência para estudar politica, apesar de me revoltar quando leio sobre certas safadezas que cometem os nossos representantes tão ilustres.
Não quero discutir sobre isso aqui, é assunto muito pesado para esse lugar e esse horário. Digo apenas que vou cumprir meu papel de cidadã e votar, sabendo que muito pouca coisa vai mudar, assim como tenho visto por toda uma vida. Já vivenciei muitas eleições e tive muitas esperanças de que "agora vai!". E não foi coisa alguma, fazendo-me repetir uma velha frase de meu pai - não levante cedo para trabalhar e você vai ver se algum político te ajuda - meu pai sabia das coisas.
Agora me lembrei das eleições que elegeram Janio Quadros para presidente. Era uma garota, que pena não me lembrar o ano, e que pena estar com preguiça de pesquisar no Google.
Mas não interessa a data, o que eu ia contar é que lembro-me perfeitamente do barulho, dos panfletos e dos homens conversando com meu pai sobre o Sr. Janio. Eram vizinhos e também meus tios, numa falatória sem fim, e com um detalhe muito curioso, uma vassourinha dourada na lapela do paletó.
Sim, naquele tempo os homens usavam paletó para irem votar, e na lapela estava a tal vassourinha que era o símbolo do Sr. Janio, douradinha, pequenina, que havia sido distribuida aos baldes pela cidade, e todos os homens usavam com orgulho.
Não consigo dizer os números da vitória, mas sei que foi esmagadora (ainda vou pesquisar melhor), e esmagadora também foi a decepção dos janistas que confiaram nele, pois acredito que meses depois veio a renuncia, e o Brasil entrou num processo de loucura politica que acabou levando nosso país à ditadura.
Mas a vassourinha do Sr, Janio ficou rolando lá em casa por algum tempo, até ir para o lixo toda enferrujada, porque é obvio que foi feita de material barato, para brilhar por pouco tempo, assim como as ideias do politico que as distribuiu.
Acho que fui muito influenciada por aquelas eleições, mesmo tão menina, porque não consigo pensar em votos, panfletos e musicas de propaganda sem me lembrar daquela época,  e também da esperança de vida melhor que ouvia nas conversas dos parentes e vizinhos.
Havia um refrão bem assim "- varre varre vassourinha, varre varre a bandalheira, que o povo já está cansado, de sofrer dessa maneira" - .
Quando digo que nada muda é porque já vi esse filme antes e porque realmente não acredito em milagres.
Adoro a figura do palhaço, sempre gostei muito de sua alegria e seu colorido, e ainda vou falar sobre isso aqui no blog, mas não dá para separar a imagem desse personagem alegre e pateta da imagem que tenho de mim mesma nesses dias.

"...e experimente não levantar cedo para trabalhar..."



gravura emprestada do google