terça-feira, 30 de novembro de 2010

a caixa de enfeites

Fazem poucos minutos que abri meu armário e tirei a caixa com os enfeites de Natal. São tão poucos, uma caixa pequena, onde estão todos acomodados desde o começo deste ano. Antes eu tinha mais, a caixa era grande, algumas sacolas de papel ajudavam com as coisas mais leves. Fui perdendo pelo caminho, pelos anos afora.
Quando meus filhos eram pequenos a árvore era grande, com muitas bolas e festões, lâmpadas coloridas piscando, estrelas, laços, anjos.
Fazem uns anos que deixei de montar a árvore,  montei o presépio na capela do bairro onde morava e deixei por lá. Guardei apenas o papai-noel lindo e vermelho e alguns enfeites de parede.
Fazem poucos minutos também que ao abrir o armário e pegar a caixa de enfeites, abri a porta das lembranças e me vi menina pedindo um boneco grande para minha mãe.
Naquele mês de dezembro eu a observava fazendo um vestido vermelho para mim, de salpicos brancos, com um laço grande para amarrar na cintura e babados na barra. Com o pedaço de tecido que sobrou minha mãe costurou uma roupinha bem menor, parecia um macacão de bebê. Quando eu perguntei para quem era aquilo ela respondeu rindo - é para seu irmãozinho que vai nascer! - o que me deixava muito confusa porque os gêmeos eram tão pequenos - será que mamãe teria mais um bebê? Ela estava brincando, claro, mas eu não entendia, acreditava. Quando ela começou a fazer sapatinhos em crochê, combinando com uma touca de pom pom, em lã vermelha, eu achei mesmo que era um enxoval de criança. Mas na inocência dos meus sete anos nem me preocupava.
Na noite de Natal, estávamos na cozinha vendo mamãe e minha avó preparando os temperos para as carnes que seriam assadas no dia seguinte, porque naquela época a familia se reunia em nossa casa para um grande almôço. Em uma certa hora minha mãe disse para mim - vá até o quarto pegar um lenço para seu pai - e lá fui eu correndo, acendi a luz e dei de cara com meu boneco sentado em cima do criado mudo, vestido de macacão de salpico, touca de pom-pom e sapatinhos de crochê.
Aquela sensação de surpresa misturada com alegria me fez pegar o boneco e sair correndo como louca, orgulhosa de meu presente e de ter um bebê com a roupa de tecido igual ao meu vestido que eu só vestiria no dia seguinte para ir à missa.
Era um boneco de papelão, muito comum naquela época, uma solução para pais que não podiam comprar bonecas caras,  importadas. Eles eram enormes, com pernas grossas, cabeção com pintura imitando cabelos marrons, olhos azuis - também pintados - e rosto corado, bem cor-de-rosa.
Hoje quando me lembro dele sei que era feio, um tanto grosseiro, brilhante demais. Mas como era bonito para mim naquele dia! Nunca houve um boneco tão lindo em toda a face da terra. Foi um Natal feliz, não me lembro de mais nada daquele dia, nem do outro quando vesti meu vestidinho novo e provavelmente fui à missa, como era hábito. Só me lembro dele com seus imensos olhos azuis que nunca piscavam nem dormiam mas que eram maravilhosos.
É tão fácil agradar uma criança, mesmo as de hoje - basta faze-las esperar pelo presente, sonhar com ele.
E que o momento da entrega seja mágico, único, para que fique gravado na memória como tatuagem, inesquecível.
Aquele boneco ficou no quintal numa noite que eu não me lembro se estava cansada de brincar, se precisei entrar correndo para atender minha mãe ou se foi uma grande falta de cuidado de minha parte.
E naquela noite choveu muito, uma chuva capaz de derreter o papelão e estragar irremediavelmente meu bebê. Nem preciso contar aqui as lágrimas que chorei e a bronca que levei de minha mãe.
Tive outras bonecas, duas ou três, mas nenhuma delas tinha o encantamento do meu bonecão desengonçado e feioso. Quando fecho os olhos e puxo pela memoria consigo ve-lo olhando para mim com seus grandes olhos azuis e o  cabelo esquisito pintado na cabeça enorme.
Tenho várias lembranças de Natal da minha infância e da infância de meus filhos Vou aproveitar a época do ano para contá-las, revivê-las. Vai ser muito bom, abrir o armário, revirar as sacolas e caixas, arejar as recordações e saudades, para quando as festas acabarem tornar a guardá-las com carinho, envoltas em papel de seda, bem no fundinho do coração.
Faz parte da vida lembrar do passado. Alguns gostam de contar, outros apenas lembram e se calam.
Qualquer que seja a opção o importante é ter do que sentir saudade, sempre...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Larissa




No dia em que ela nasceu chovia muito e o horário não podia ser mais revelador, meio dia!
Hora da boia! um de seus programas favoritos é sempre sentar-se à mesa e comer um bom prato.
Os antigos diziam que quem nasce em dia de chuva é muito chorão. Bingo de novo! adora chorar.
Foi nosso primeiro bebê, mas não minha primeira gravidez. Minha primeira filhinha já nasceu sem vida, prematura, e resolvemos chamá-la Renata, pois queríamos guardar o nome Larissa para nossa próxima menina.
E depois de um parto natural, com todas as dores que vêm no "pacote", ela veio ao mundo chorando muito, como que dizendo "acabou o sossego moçada!".
Nem tanto... era uma criança tranquila, dorminhoca, serena. Uma nenê com a pele morena, pouquíssimos cabelos, linda.
Como a primeira netinha, de ambas as familias, dá para imaginar a festa! Foi muito celebrada,  mimada ao extremo. Acho que celebramos demais, porque essa garota cresceu achando que era uma super "star", tinha que ser cortejada o tempo todo, atendida em todos seus caprichos.
Apesar de amorosa com os irmãos, sempre dizia que estava sobrando na casa, que todos davam mais atenção ao irmãozinho chorão e depois à irmãzinha chata e caçula.
Tudo tão normal em se tratando de familia que hoje nos recordamos disso tudo com muita saudade e boas risadas.
Larissa foi adolescente paqueradíssima, uma garota linda, todos os meninos da escola queriam namorá-la. Minha sogra era apaixonada por ela, vivia jurando que não fazia diferença entre os netos - mas fazia -  não disfarçava a quedinha pela neta mais velha.
O pai nunca permitiu que se notasse qualquer carinho maior por ela, apenas, creio eu, encantava-se ao perceber o quanto eram parecidos fisicamente, e a facilidade com que ela soltava (e solta) um palavrão, em qualquer frase, comportamento bem típico dele!
Pois então... aí está nossa menina, mãe da Valentina,  filha carinhosa, irmã querida e super tia da garotada.
A querida "Tita" dos sobrinhos.
Hoje ela faz anos e jamais deixaria de homenageá-la em meu blog. Não somente porque sinto que devo deixar gravado aqui meu carinho, mas porque se não faço isso (depois de fazer para vários) poderia considerar-me uma mãe excluida, sem a mínima chance de perdão.
Brincadeiras à parte, minha filha, você sempre foi muito amada, e hoje sinto muito orgulho de você.
Uma mulher que está sabendo conquistar seu espaço no mundo, trabalhando e nos mostrando para que veio.
Como sei que você pouco bebe, mas quando bebe adora cerveja preta, vou fazer meu brinde de hoje com uma bela taça, bem gelada, dessa delicia que você tem razão de gostar.
Seja muito feliz, conquiste muitos amigos nessa nova jornada, seja mãe extremosa e mulher corajosa.
Tenha MUITA saúde e não esqueça que te amamos Tim...tim!
Uma foto para matar saudade....que lindos!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

"inhá" Albina


Esse título de "inhá" ela carregou durante toda a vida. Era uma maneira carinhosa de tratar as mocinhas naqueles idos de 1900, quando minha avó ainda era menina. Explico que não pronunciavam o "S" de sinhá para facilitar, ou por preguiça mesmo.  Mas vamos pronunciar certo, de verdade mesmo -  é "nharbina" - como se fala lá pelos lados de Capivari, Piracicaba e também Sorocaba. E assim foi conhecida, sempre.
Nharbina foi mãe de meu pai, uma figura rara entre as raras. De bela estampa, alta, magra, cabelos sempre com "permanente" para ficarem armados, vaidosa ao extremo. Certa vez quase ficou careca porque disseram para ela que agua oxigenada clareava os cabelos, mas não explicaram qual o tipo ou grau da água,  causando um dano enorme, e o cabelo que restou ficou amarelo como ouro, todo espigado, duro mesmo. Demorou para crescer novamente e ela ria até não poder mais com a tal historia do cabelo de milho.
Fumava muito, cigarros sem filtro, fedidos e que amarelavam os dedos,  porque ela os aproveitava até o fim.
Tudo em volta cheirava cigarro, e todos toleravam esse vício que ela trazia desde menina, porque na velhice já não poderiam tirar-lhe essa alegria.
Quando estava enfrentando os sintomas de sua menopausa, aos quarenta e poucos anos, teve a infelicidade de passar pela pior das dores, seu filho Elidio, caçula dos homens,  morreu de maneira um tanto obscura. Vou pular essa parte, qualquer dia volto ao assunto.
Nharbina entrou em depressão, os hormonios alterados, as dores grandes demais para serem encaradas de frente. Preferiu se enrolar em seu caracol, silenciou, não queria mais brincar de mãe, de avó...
Eu, nessa época muitocriança,  lembro-me bem dos comentários das tias e de meu pai, lamentando que talvez estivesse louca, talvez um hospital para tratamento. Isso também dará outro capitulo, que eu prefiro contar à parte.
Ela não estava louca, apenas depressiva e muito doente, numa época em que não davam muita importância para esses problemas de mulher. Quando voltou do sanatório minhas tias levaram-na e a um centro espírita muito respeitado em Sorocaba, pois ela insistia em dizer que via um homem chorando em um canto do quarto.
Ela chamava esse homem de "sofredor" e as seções de mesa branca, de bençãos e passes, aliviavam aquela cabeça sofrida de mãe sensível e amorosa.
Com o tempo e o apoio constante dos amigos do centro e da familia,  recuperou as gargalhadas quando achava graça de nossas palhaçadas, agora os netos todos já crescidos, alguns já adultos.
Fumou a vida toda e lembro-me dela tirando do bolso da saia um lenço amarrado com vários nós, que ela desfazia com os dedos amarelos de tabaco e tirava dinheiro para um dos meninos ir ao bar comprar cigarros.
- pode comprar doce com o troco, traga bala de hortelã!
Um traço marcante seu era o hábito de fazer perguntas indiscretas aos netos, que respondiam de maneira mais indiscreta ainda esperando que ela ficasse corada, mas qual! encarava com muito jogo de cintura qualquer brincadeira da moçada.
Se a música no radio era alegre, puchava um neto ou uma neta e saia dançando, o que nos fazia felizes.
Por morar longe de sua casa eu pouco convivi com essa "sinhá" divertida, apenas nos períodos de férias, ou quando meu pai ia buscá-la para passar uns dias conosco.
Achava muita graça, uma delicia mesmo, quando ela dizia no meio de uma conversa: - coitado do Tide, olha como tá magro, esse meu filho não tem saúde!
Tide é meu pai, sempre foi magro, e todas as vezes que nos víamos era sempre a mesma observação. Virou até folclore na familia o "coitado do Tide".
Minha madrasta, Joana, ficava muito brava e dizia - até pareçe que a gente não dá comida pra ele,  sempre foi magro!". E todos nos divertíamos muito, até minha avó que teimava em explicar que Tide era mais gordinho quando solteiro - era nada!
Não me lembro, por mais que tente, de um prato ou guloseima que tenha feito em sua cozinha. Acho que não era dada à culinária, fazia o trivial. Também não se prestava a trabalhos manuais (pronto, descobri de quem herdei a dificuldade nos trabalhos artísticos) apenas costurando algumas roupas para ela mesma.
Quantas lembranças! ficaria aqui por horas escrevendo sobre aquela mulher divertida em sua inocência de pessoa humilde, desprovida de cultura, acho até que nem sabia ler, mas com olhos brilhantes e alegres de "sinhá" bonita e vaidosa, que namorou e casou com Plácido, meu avô,  na fazenda Samambaia, dando frutos queridos dos quais ela tinha muito orgulho.
Essa foi minha avó, uma das culpadas de tudo o que somos hoje - meio loucos, meio paranoicos - mas com essa alegria nos olhos, esse gostar de dançar, essa alegria de estar junto.
Para Nharbina eu levanto meu brinde de hoje e celebro a mágica de viver em meio a nuvens de fumaça, música no radio, lágrimas e sorrisos. Essa foi sua vida durante anos e anos e, para mim, foi o que ficou. Tim...tim!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Menina moça




Talvez ela tivesse entre doze ou treze anos, magra, cabelo indefinido, querendo ser crespo, querendo ser liso.
Alta em relação às meninas de sua idade, sorriso tímido querendo ocultar os dentes que ela achava tortos, mas que não eram.
Sardas no rosto, poucas, mas que ela achava muitas quando se olhava no espelho. A mãe tinha contribuido, anos atrás, com essa paranóia de que sardas devem ser clareadas. Quando lavava o arroz, colhia a água e fazia a menina lavar o rosto com ela. Não podia enxugar! Com isso, fez com que ela acreditasse que as sardas eram feias, escuras. Mas não eram, eram adoráveis, simpáticas. Só que ela não sabia.
Quando começou a conversar com as amiguinhas sobre a chegada da primeira menstruação deixou-se tomar pelo pânico.  Essa garota nunca soube, ninguém contou a ela o que acontecia com as mulherzinhas daquela idade. Então teria também que menstruar? Ficou completamente sem rumo, resolveu que perguntaria ao pai. E perguntou.
Quando a vi chegando, sorrateira, querendo me confidenciar sobre esse dia, fiquei com pena ao pensar  naquele pai, chegando do trabalho e percebendo - porque ele percebia -que a filha estava com o rosto tenso, sem saber como começar o assunto.
- pai, minhas amigas já ficaram mocinhas, só eu ainda não.
Ela me conta, quando estamos conversando sobre aqueles dias, que sentiu muita vergonha. Nem sabe como conseguiu começar a falar.
O pai, como sempre, mostrou a maior naturalidade, explicou que algumas meninas demoravam mais, e que "era assim mesmo". Deu mais algumas explicações e sugeriu esperar o tempo se encarregar disso.
Mas o tempo não se encarregou e então aconteceu um fato novo, que quando ela me conta, rindo, eu só posso rir também. As preocupações se inverteram. O pai perguntava a ela se não tinha novidades e ela se envergonhava em dizer que não. Seria normal? Não seria melhor procurar um médico?
Lá se foram, pai e filha ao consultório de um médico de confiança. Nos nossos momentos de aconchego e confissões ela me conta que sentiu muita vergonha quando o doutor começou a fazer perguntas, dar explicações,  falou até sobre sexo!
Pobre menina, criança ainda e tendo que aprender através de  um estranho o que seria natural ser explicado e resolvido por uma mãe.


São muitas as noites que conversamos até tarde, rimos ou choramos, depende de nosso astral, depende da quantidade de cerveja que tomamos.
Ela me garante que superou esses pequenos traumas, que vive bem com essas lembranças, ora boas...ora divertidas...não raro tristes. Falou-me sobre quando suas filhas "ficaram mocinhas", do modo como foi  emocionante para ela, porque pôde participar, ensinar...
Quanto à sua primeira menstruação contou ao pai, envergonhadíssima, olhos baixos, como se fosse algo feio de dizer. O pai sorriu, perguntou se precisava de alguma coisa e lembrou-lhe o que o médico havia dito.
Muitos anos se passaram até que voltassem ao assunto. Quando  já estava casada e com as filhas adolescentes o pai um dia perguntou: - já disse para as meninas o que elas precisam saber sobre os assuntos de mulher?
Diante da resposta afirmativa ele apenas sorriu e olhou para ela com aquele olhar cúmplice que só ele tinha.
Quando vejo minha amiga lembrando-se desses momentos, pergunto se quem teve um pai tão presente, precisaria mesmo de uma mãe. Ela me responde sorrindo que sim, que sentiu a falta da mulher forte ao seu lado em alguns momentos cruciais, como nos partos. Mas que sobreviveu, não estava alí?
Sim, ela está aqui comigo. Às vezes menina, às vezes já velha, mas está aqui me olhando com olhos curiosos, à espreita, esperando que eu me dirija ao computador para contar mais um pouco de nossa história.
Quem diria amiga, que um dia seríamos companheiras de blog, e escreveríamos a quatro mãos nossa historia de vida.
Como conheço essa mulher que tem a mania de ficar menina quando me procura, sei também que ela jamais terminaria uma conversa sem levantar um brinde, porque adora celebrar a vida.
Aqui fica então nosso brinde de hoje, feliz e sem traumas, apenas repleto de boas recordações e saudades.
Saúde! tim...tim!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

obrigada!



Seu nome é Norma. Em uma conversa com minha filha, dia desses, citei seu nome e fiquei com uma saudade gostosa remoendo minha cabeça, pensando em  falar alguma coisa sobre minha amiga.
Quando eu tinha 14 anos, quase 15,  conheci a Norma, ela então com 30 anos. Meu pai, através de amigos de trabalho havia conseguido me colocar em uma grande emprêsa de Osasco, como auxiliar de secretária.
A secretária do Departamento era ela, e eu fazia os serviços rotineiros de datilografia, arquivo, cópias....
De principio achei que a diferença de idade e a situação dela na emprêsa, jamais permitiria que fôssemos amigas. Na verdade, fiquei apavorada, porque eu era uma adolescente sem experiência alguma, nem de vida e muito menos profissional.
Já a Norma era uma mulher madura, ao menos eu a via assim, e seu comportamento deixava transparecer que eu estava certa. Comedida nas palavras, vestia-se sempre com elegância, saias justas, saltos altos, cabelo curto e bem penteado. Hoje, quando vejo Marilia Gabriela na tv, lembro-me dela, têm o mesmo tipo, menos a voz.
Meus temores logo foram embora. Fui acolhida como um mascote do departamento. Todos eram gentis e carinhosos, mas ela foi além, foi amiga, quase mãe. Como leitora fanática resolveu que devia me apresentar à literatura, devagar, emprestando-me livros (sem que eu pedisse) de José de Alencar, depois Casemiro de Abreu, depois Graciliano Ramos, e quando eu menos esperava, vieram os autores internacinais como Cronin, Pearl Book, Hemingway, Charles Dickens, e por aí afora.
Mas tudo era muito sutil,  numa conversa qualquer ela perguntava:-já leu fulano? quando a resposta era negativa, lá vinha ela com um livro para me emprestar.
E durante meu período de leitura, ela perguntava sempre - casualmente - em que parte do livro você esta?
Diante de minha resposta  fazia perguntas e comentários para que eu entendesse melhor o livro. Pouco tempo depois eu já estava apaixonada pela leitura, a ponto de não conseguir ficar sem um livro nas mãos.
Lembro-me dela falando ao telefone, sempre rodando um brinco na orelha, cadeira afastada da mesa, voz baixa e conciliadora. Solteira convicta, duas faculdades, vários namorados mas nenhum tão interessante a ponto de leva-la ao altar. Suas férias, invariavelmente, eram passadas em Parati. Eram tantas fotos, tantas historias engraçadas e divertidas, a ponto de passar para mim o carinho que ate´hoje tenho por aquela cidade linda. Só fui conhecer Parati depois de muitos anos, com minha familia, e entendi porque ela gostava tanto dali.
Alguns anos depois, talvez uns cinco,  ela foi convidada a trabalhar em um famoso laboratório alemão, lingua que  dominava, assim como o inglês, e foi um convite irrecusável. Lá se foi minha amiga, deixando-nos - a todos do departamento - meio órfãos e muito tristes.

Nossa amizade nunca saiu das paredes da emprêsa. Nunca fomos a uma festa, jantar ou cinema. Nossas vidas eram totalmente diferentes, os amigos e amigas dela eram pessoas mais velhas e bem mais interessantes que meus amigos. 
Perdemos o contato alguns anos depois, quando me casei e fui cuidar de minha familia. Até o último cartão que me mandou ainda estava solteira, feliz, fazendo tricô  - fazia blusas lindas de lã - para presentear o atual namorado.


Lembro-me dela rindo e dizendo: - eles ficam comigo até a blusa ficar pronta. Depois somem...
E eu dizia :- você é boba, já que sabe disso porque não tricota e desmancha...tricota e desmancha...
Oxalá toda menina sem mãe tivesse uma amiga como eu tive. Gostaria de encontra-la hoje para dizer tudo isso pessoalmente. Qualquer hora tento achá-la no Google, quem sabe?  lembrará de mim? estará bem?
Sei que parte da pessoa que sou hoje, devo a ela, e essa é a mágica.  Ela nunca me disse "vou ensinar uma coisa para você". Ela ensinava sem que eu percebesse, sem me chatear, me respeitando.
É claro que hoje meu brinde com cerveja geladíssima será para ela.
Obrigada querida por ter suportado minhas chatices de adolescente, meus papos furados sobre rock, Elvis, Beatles, paqueras, briguei com o namorado... voltei com o namorado...
Quem sabe um dia ainda nos veremos e vamos rir muito daquele tempo delicioso, quando aprendi o valor de uma amizade sincera e desinteressada, pois de mim você pouco esperava, nem mesmo  esse agradecimento tardio. Saudade...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Plante!










Acredito que todos os internautas já conhecem o Nick, um rapaz de vinte e cinco anos que nasceu sem os membros - pernas e braços -  e dá um show de carisma e alegria.
Recebi hoje da Soninha, minha amiga querida, uma mensagem com fotos do Nick, um rapaz bonito, com olhos claros, brilhantes; sorriso contagiante, perfeito. Já tinha visto em vídeo e lembro-me de ter ficado com pena daquele homem bonito e terrivelmente deficiente.
Hoje, vendo as fotos, não senti pena dele mas sim de mim, fiquei envergonhada. Uma de suas frases nas palestras de motivação que promove pelo mundo afora é essa - "a deficiência está dentro de nós".
Eu entendi, lendo mais algumas frases suas, que a salvação está dentro de nós, assim como a destruição.
Como pode um ser perfeito, com todos os membros e sentidos, ter pena de alguém que está dando aulas de felicidade? E esse menino teria todos os motivos para não querer viver...
No entanto nos mostra com sua incrível tenacidade, que "nada na vida deve ser temido, apenas compreendido".
Não é para sentir vergonha de meus pequenos problemas, dentro desse meu mundinho?
Não estou com isso apontando ou taxando pessoas de egoistas. Não...estou dizendo que as vezes somos teatrais, nos desesperamos por um problema que no dia seguinte já nem é mais tão importante. Já passou, página virada, tudo já foi resolvido.
Então porque não permitirmos que o "nosso poder" - aquele que dorme dentro de nós -  fale ao nosso coração?
Já li várias vezes sobre a força da mente, o pensamento otimista, a tão discutida "fé", que não é mais do que você desejar ardorosamente que algo aconteça. E de tanto você desejar acaba acontecendo!
Você atrai coisas positivas quando pensa com alegria e entusiasmo. E negativas quando se lamenta e deseja ficar em um canto, esquecida, chorando.



Tenho por hábito ser feliz. Vi em mim, em alguns momentos em que fui colocada à prova, uma mulher forte.
Mas...não poucas vezes entro em pânico por motivos medíocres, preocupaçoes corriqueiras, dúvidas frequentes.
Sei que muitas pessoas são assim, deficientes por dentro, sem força para usar sempre seu poder, seu entusiasmo.
Toda a alegria que emana de uma pessoa em paz consigo mesma fará com que seja sempre lembrada com alegria. Veja do que me recordei agora:  uma frase de Mario Quintana, meu poeta favorito:

     -que importa restarem cinzas,
       se a chama foi bela e alta?"

Não estou promovendo aqui um show de inconsequência, leviandades que trarão mais dores e mais noites sem sono. Falo de levar a sério apenas o que realmente é sério, deixando de sofrer por coisas pequenas.
Conseguir passar para os jovens uma imagem de sabedoria, de respeito e muita vontade de dar certo.
Espero ter conseguido passar um pouco do turbilhão que virou minha alma ao ver o jovem Nick, tão bonito e feliz apesar de toda sua deficiência exterior.
É para ele que vai meu brinde de hoje, e também para meus amigos queridos, que têm a paciência de ler esses meus esparramos de emoções.
Plante belas sementes, criteriosamente escolhidas, dentro de suas possibilidades e de sua fé, para colher o melhor que a terra pode lhe dar: - tranquilidade.
Tim-tim e bons pensamentos para que consigamos transmitir no olhar a alegria de viver essa vida bandida.
Saúde!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Flores amarelas




Está tudo errado, pelo menos para mim, está tudo muito errado! Finados não deveria ser um dia triste, cheio de orações e lágrimas. Em minhas pesquisas pelo Google conheci uma festa linda que os mexicanos promovem no dia dos mortos. É uma tradição indígena, uma festa tradicional e muito popular.
Lá é tradição festejar e não chorar pelos que se foram. Segundo crêem, nesse dia as almas estão entre nós para visitar seus familiares e portanto, é dia de alegria. Usam fantasias engraçadas, fazem doces, mesas bem arrumadas e fartas, tocam musicas alegres e brincam muito. As crianças adoram comer doces em formado de caveirinhas, e têm um relacionamento feliz com a data, dançam e cantam músicas dedicadas ao dia.
É lindo saber que se as almas de nossos queridos mortos podem voltar para ver a familia, seja feita uma festa para recebe-los. Imaginem voltar para casa em visita e encontrar todos chorando, musicas fúnebres, orações e roupas escuras. Eu não gostaria!
Os mortos que se foram há varios anos devem adorar voltar para suas casas no México e conhecer os netos, bisnetos, ver os filhos mais envelhecidos, bem sucedidos, felizes.
Tem alguma coisa errada com o finados que estamos acostumados. Eu adorei a idéia de implantar no Brasil o mesmo modo de comemorar lá do México.
Sei de pessoas que vão odiar  - é muito mais interessante chorar - mas também sei de outras que, como eu, adoram comemorar alguma coisa, encher uma mesa de guloseimas, reunir as crianças, dançar e beber.
E juro que conheço mortos que iriam amar voltar para casa e ver alegria, as crianças sorrindo, música bem alta - e a familia falando em seu nome com saudade, contando historias engraçadas, lembrando momentos bons.
Não seria mais divertido? Os mortos de minha familia iriam adorar!
Eram todos festeiros, alegres, falavam alto, diziam palavrões e - sobretudo - odiavam o assunto "finados".
Até nossa querida e pequena Tati, que nos deixou tão cedo, era uma pimentinha que gravou em nós a imagem da alegria e da expontaneidade, da facilidade em aprender palavrões, do riso alto, do prazer em ouvir músicas e dançar.
Sua gargalhada  até agora ressoa em nossos ouvidos e sei que ela sentiria muito prazer em nos ver  alegres, comemorando sua visita.
Pensem bem, meus queridos, e vejam se não é chegada a hora de sair às ruas, começar uma campanha por um finados mais feliz. Vamos realizar passeatas, mandar e-mails aos amigos, arrumar horários gratuitos na tv,  pois quem sabe conseguimos mudar a cabeça das pessoas desse nosso Brasil tão sofrido.
E pensar que seria um investimento muito bom para nós também, afinal, quando fizermos a tão longa viagem da qual ninguém escapa, partiríamos mais felizes ao saber que nossa familia nos aguardará com festas, música e alegria.
E tem mais, seremos lembrados como os grande transformadores - que divertido! - que se não puderam mudar o destino desse país, num feridão de finados, pelo menos mudaram a "vida" de seus "mortos".
Pensem nisso...
Ah... porque flores amarelas? porque é com elas que gostaria de ver a mesa arrumada nos dias de minhas visitas. São lindas.